quarta-feira, 18 de julho de 2018

HORA DE DESPERTAR

Quando eu estava em processo de habilitação, a "minha" Assistente Social disse-me algo que jamais esquecerei.
Pois eu havia dito a ela que eu sonhava encontrar uma criança que desejasse ser adotada por mim.
Ela me olhou bem dentro dos olhos e disse, com suavidade, mas de maneira firme: Nenhuma criança quer ser adotada, Shirley. O que as crianças realmente desejam é poder estar com sua própria família. O que elas querem, de verdade, é que tudo se resolva  e elas possam voltar para casa.
Essas palavras caíram de uma forma muito dura na minha alma; foi um choque.
Foi o começo do meu despertar.
Ainda iria demorar muito tempo para eu amadurecer realmente, mas esse dia foi o começo do meu aprendizado.
Ali estava o meu sonho dourado de encontrar uma criança que me recebesse de braços abertos, sorridente e agradecida, indo pelo ralo; feito em pedacinhos pela dura realidade.
Que injusta essa vida, não é mesmo?
Só que mais injusta é com as crianças, do que com a gente.
Talvez nunca cheguemos a saber de fato o que acontece no íntimo de crianças que foram tão duramente castigadas, maltratadas, negligenciadas, abusadas ou abandonadas, pelo simples fato de não termos vivido na pele tais experiências.
A dor é imensa!
Ter que recomeçar sem saber COMO fazer isso.
Ter que seguir em frente, guiado pelas mãos de pessoas desconhecidas; precisar tirar lá do fundo a coragem para encarar tudo novo, estranho, incerto.
Tem muito marmanjo que não consegue...
Como podemos esperar isso de uma criança, e ainda a julgarmos e criticarmos tão duramente se ela não conseguir tudo isso no tempo que nós consideramos apropriado?
De onde surgiu essa ideia insana de que seremos tratados como herois e salvadores imaculados, que devem ser obedecidos cegamente, desde o primeiro momento?
Como temos a pretensão de esperar amor à primeira vista, incondicional e eterno, de alguém que nunca sequer conheceu o amor?
Como podemos acreditar que não teremos que lidar com essa dor?
Por que cultivamos a expectativa totalmente irreal  de sermos aceitos sem questionamento e sem medo?
Porque nos custa tanto, simplesmente, termos mais empatia, solidariedade e respeito com as crianças?
Vamos refletir, amigos.
Com muita calma e bom senso.
Só por um momento, tirar o foco das nossas necessidades, para conseguirmos olhar para as nossas crianças com honestidade.
Sim, é possível amá-las sem precisarmos nos enganar.
E sim, elas podem nos amar.
E esse amor construído é pura arte.
A arte de ouvir antes de criticar.
A arte de acolher primeiro e esperar o tempo de sermos acolhidos DEPOIS, como resultado da confiança que conquistamos.
A arte de ensinar primeiro e cobrar somente depois.
A arte de aceitar o filho tal como é, para que ele(a), em algum momento, possa vir a ser o que pode ser, em todo o seu potencial.
A arte de olharmos de frente para a realidade, mesmo que ela machuque, e aceitarmos que não será perfeito, mas será possível, e isso deve bastar.

Isso se chama ADOÇÃO.
O resto é sonho.

Um abraço a todos, e bom domingo

(Shirley Machado)



Harumi Kawakubo